quarta-feira, 18 de julho de 2007

Nem tudo é festa em julho

Acontecimentos como a queda do avião da TAM na noite dessa terça-feira, 17, em São Paulo, levam algumas pessoas a questionarem a minha crença de que nada pode ser considerado totalmente bom ou mau. E eu continuo afirmando isto, mesmo após tragédias como esta. Não, eu não gosto de morte, nem de tragédias. Gosto de vida, gosto de gente! E é a perda de tantas pessoas que representa a predominância do caráter ruim do acidente ocorrido em Congonhas. Seria muito melhor se o avião não tivesse caído, mas o fato consumado, uma vez que não se pode mudar, deve ser avaliado também no sentido de extrair bons ensinamentos. Não proponho esta análise aos parentes das vítimas, porque fico extremamente comovido e chocado com a situação que enfrentam. Eu gosto de pessoas e a morte delas, mesmo que não as conheça, me incomoda. No entanto, penso que depois de lamentar a tragédia, deve-se estudá-la, para caminhar em melhores direções.

Estamos no mês do Pan-Americano do Rio de Janeiro. Muitos o criticam, outros o exaltam. Não sou contra o Pan e gosto muito de competições esportivas, mas há um ponto que me assusta em como a realização do evento no Brasil afeta a sociedade. Dias antes da abertura, alguns assuntos dominavam os noticiários, dentre eles o escândalo envolvendo o senador Renan Calheiros, a agressão da empregada doméstica Sirley Dias de Carvalho e, destaco aqui, a crise aérea nacional. E é neste ponto que tenho críticas a fazer relativas à realização do Pan-Americano. O problema não está na competição, mas na forma como ela é usada pela sociedade política como um anestésico, que deixa os problemas nacionais fora de foco enquanto ocorrem as disputas pelas medalhas. Infelizmente, a celebração esportiva diminui consideravelmente as discussões dos problemas do país. Muitos culpam a mídia, acusando-a de deixar estes problemas de lado. Porém, a própria sociedade ignora os fatos, pois não cobra da imprensa a divulgação de nada que não seja a repercussão das disputas pan-americanas. As vaias recebidas pelo presidente Lula na abertura do evento mostraram que nem todas as pessoas estão anestesiadas pelo Pan. Refletiram que é possível acompanhar as disputas sem esquecer a realidade.

Repito que não comemoro as mortes ocorridas, mas lamento profundamente. Porém, não posso deixar de perceber a parte boa decorrente da tragédia. Um fato destes nunca será bom, mas o que resulta dele pode ser. Uma coisa horrível destas já é suficiente, não precisamos que a “anestesia do Pan” continue mantendo a sociedade imersa no falso mundo da felicidade esportiva. A realidade, infelizmente, não é esta. O país tem problemas, e muitos. E um deles culminou nas centenas de mortes desse acidente. Não adianta maquiar a realidade com as alegrias do Pan-Americano. O efeito passa a qualquer momento. O que deve ser feito é encarar a realidade e lutar para combater o problema. A preocupação de mostrar o Brasil como capaz de realizar uma competição internacional, de olho no desejo da Copa 2014 por aqui, não é suficiente. Mostrar não basta, deve-se transformar o país incapaz em capaz. Investir demanda tempo, claro. Se a realidade for encarada, ao invés de maquiada, obviamente o país não estará pronto para realizar o evento em 2014. Deve demorar bem mais. Por isto, maquiar o país parece mais interessante, mas há sempre o risco dessa maquiagem borrar, como ontem. E são marcas que não são fáceis de apagar. O mundo não está sobe o efeito da “anestesia do Pan”. É só americano e nem toda a América ele consegue anestesiar.

Não sei quais efeitos esperar na política brasileira depois desse fato lamentável. Mas uma coisa é certa: duas ações mostraram, mais uma vez, que a diferença entre PT e PSDB é só no formato. O conteúdo é o mesmo. Por um lado, o governo liderado pelo PT demorou mais de quatro horas para se manifestar a respeito do acidente com o boeing da TAM. Por outro, a nota do PSDB, assinada por Arthur Virgílio, líder do partido no Senado, ressaltava que o PSDB já havia alertado o Governo para o risco do que poderia ocorrer, devido à crise aérea. A tentativa do PSDB de tirar proveito político da morte de centenas de pessoas me assusta e enoja tanto quanto a incapacidade administrativa do governo do PT.

Se a tragédia não melhorou a intenção e a motivação dos políticos brasileiros, ao menos uma coisa importante vai derivar da triste situação. Agora, o efeito da “anestesia do Pan” será bem menor e se não mudam, os políticos brasileiros terão que se virar para inventar boas desculpas pelos próximos dias. Uma coisa é certa: eles terão que perder uma parte dos jogos Pan-Americanos, já que sairão de suas casas pelo menos para chorar e lamentar as mortes em frente às câmeras. Só assim eles conseguirão tirar o proveito que sempre conseguem das tragédias e alcançar alguns pontos como “bons seres-humanos”. Afinal, as eleições de 2008 e 2010 estão próximas e não é sempre que surge uma oportunidade tão “boa” assim para ganhar votos antes do pleito.
Hugo Rocha

3 comentários:

helder matias disse...

Esse post me fez lembrar do livro Farenheit 451, nele enquanto a sociedade vive em plena guerra civil, a imprensa (naquele caso somente a tv), passava reality shows e programas de auditórios p/ distrair o povo. Isso cai até no que tu disse, que não é somente a midia ou o governo que tentam burlar estes acontecimentos com coisas mais saudaveis, mas também o povo que não cobra, e ai acaba ficando por isso mesmo - todos felizes c/ o Pan, até o Renan - E quando chegarem as eleições e a copa será a mesma coisa, vários acontecimentos colocados em segundo plano, tanto pelo governo e imprensa, quanto pela sociedade desinteressada que não cobra...
Qual a solução p/ isso?...o_O

;(

Wellington Lima disse...

Uma coisa lamentável também é que nossas principais eleições sempre coincidem com a copa do mundo.

Valeu pelas dicas, acho que ficaria melhor mesmo aspas só na palavra recorde para dar um tom mais sério a coisa.Embora, infelizmente tenha entrado para história como sendo o maior acidente aéreo brasileiro.

PS: Está aprendendo ver as coisa boas, né?!rs

Rafael Rocha disse...

Helder,
.
interessante a analogia com Fahrenheit 451, do Bradbury. quando escrevi não percebi esta conexão, muito bem vista por você.
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a sua pergunta também é minha: qual a solução?