sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Morte preocupa jovem brasileiro

Antropólogo acredita que a religião não dá conta dessa questão. Para Rubem Alves, ela atrapalha
Hugo Rocha
Quarenta por cento dos jovens brasileiros têm medo da morte. É o que revela uma pesquisa feita pelo Datafolha em abril deste ano. O estudante de recursos humanos Wellington Lima é um deles. Aos 22 anos, assume que se preocupa. “Tenho medo da morte e de pensar no que pode acontecer depois”, afirma. Esse temor também é sentido por Wesley Correia, 19. O promotor de vendas compartilha a sensação que atinge 23% dos jovens que têm entre 16 e 25 anos. Apesar de sentir medo, os dois não sabem definir a origem. O que explica isso, segundo o antropólogo Henrique Willer, 33, é que o medo não tem raiz definida. Por isso, o especialista ressalta o fato de o medo da morte não ser específico para 21% dos entrevistados. “O que há é uma rede simbólica de medo na sociedade”, completa.

O escritor e psicanalista Rubem Alves, 74, admite que já sentiu medo da morte. Ele credita o sentimento ao mistério do que vem depois. “Eu não acredito em outra vida e nem tenho interesse. Sou um ser da terra”, afirma. Os jovens Wellington e Wesley comprovam que o desconhecido pode gerar angústia. “Me assusta pensar que amanhã posso não acordar aqui e estar em uma dimensão inexplicável”, declara o primeiro. De acordo com Willer, a interpretação da morte é cultural. Ele cita o caso de Bali – província da Indonésia, onde a ocorrência é comemorada. “Lá, as pessoas não fazem perguntas sobre o pós-morte”, explica. Para o antropólogo, a ausência de questionamentos demonstra que os habitantes sabem o que vem depois e, por isso, não têm angústias. Mas ele mesmo não arrisca quando o assunto é a eternidade. “Se eu soubesse responder, não estaria aqui”, arremata.

E nem as religiões são suficientes para amenizar a angústia da morte. O evangélico Wesley é um exemplo. Apesar de acreditar em outra vida, não tem certeza se possui as credenciais para usufruí-la de forma prazerosa. “Existem alguns critérios que não estou cumprindo. Isso me faz perder o direito total”, afirma. Willer acredita que o medo da morte é mais freqüente entre pessoas religiosas, efeito da angústia em relação à condenação da alma, fato muito raro entre os céticos. “O jovem com adesão a uma consciência religiosa sabe que aquilo que segue não é a única verdade”, explica. O antropólogo acredita que a estabilidade não diminui o medo e cita, como exemplo, funcionários públicos que continuam ansiosos em relação à vida profissional. Para Willer, a religião não dá conta de tratar o medo da morte. “As igrejas atrapalham muito a compreensão desse assunto”, concorda Alves.

Mesmo seguindo uma religião que fornece explicações para o pós-morte, Wesley garante que, se pudesse, viveria eternamente. “Apesar das lutas, dos problemas e das dificuldades que encontramos nessa terra, a vida é boa. E quero curtir cada minuto dela”, declara. Wellington encara da mesma forma. “Não queria morrer em idade alguma”, afirma. Rubem Alves acredita que justamente por isso a morte é tão triste. “Sinto tristeza em saber que vou morrer porque o mundo é muito bom”, explica. Apesar disso, o escritor afirma que todo mundo já pensou em se suicidar, pelo menos uma vez. Segundo Willer, essa contradição demonstra que o homem é um ser ambíguo. “Somos atores sociais e há scripts que seguimos previamente na vida”, explica. De acordo com o antropólogo, queixas e reclamações em certos momentos mostram apenas que adotamos formas diferentes de agir em cada situação.

Assim como Alves, Wesley gosta de viver. “Amo a vida e tudo o que gira em torno dela: amigos, família, a natureza, o sol do amanhecer, a música, a dança, as comidas, as bebidas, o trabalho, as risadas, a internet”, diz. Mas, de acordo com Willer, esse gosto pelas coisas que a vida proporciona, muitas vezes é uma fuga da proximidade da morte. Em alguns casos, para o antropólogo, isso se revela no consumismo, que representa uma corrida contra o tempo. “Tudo é efêmero. E o medo é a consciência dessa efemeridade”, conclui.

Saudade também incomoda

A estudante de psicologia Alessandra Belmonte, 22, está entre os 17% de jovens que têm medo da morte de pessoas próximas. Mais que a própria morte, teme perder aqueles que ama, como familiares, irmãos e amigos. “O mais triste é saber que não vou ver mais a pessoa, não poderei conversar com ela e ouvir suas histórias, críticas, elogios”, explica a jovem. Segundo Rubem Alves, a dor maior da morte é a ausência. “Na saudade, a pessoa amada continua viva”, afirma o escritor. A morte de pessoas queridas também preocupa Wesley. Ele assume que tem muito medo da partida. “Nunca estamos preparados para a morte. Mas eu sei que, assim como eu, ninguém é eterno aqui”, completa.

A estudante de psicologia considera a morte dolorosa para quem fica, mas um novo começo para quem se vai. “É a hora de gozar da tão dita paz celestial, do descanso”, explica. Como Rubem Alves, ela acredita que a forma da morte é pior que o fato em si. “Tenho medo de padecer em uma cama de hospital. Quero morrer dormindo”, afirma a jovem. Alessandra também concorda com o escritor quando o assunto é o fim da vida. Para ele, a morte deve chegar naturalmente quando a vida deseja ir. A estudante de psicologia acredita que viver para sempre seria estafante e.assume que não agüentaria. “Tudo tem um final”, conclui.

A pesquisa foi realizada nos dias 1º e 2 de abril de 2008, em 168 cidades de 25 estados brasileiros e do Distrito Federal. Foram ouvidos 1.541 jovens com idade entre 16 e 25 anos. A margem de erro é de 3 pontos percentuais. (HR)

Um comentário:

Luiz Antero disse...

Ótima matéria, Hugo. Instigante e e que nos faz pensar (e repensar) valores que já trazemos dentro de nós. Mas com relação à morte, prefiro morrer com meu tio: dormindo. E não gritando, como os passageiros do ônibus que ele dirigia. rs Abç, mano.