domingo, 28 de dezembro de 2008

Vai chover. De novo

Observar é uma arte. É preciso ter a medida, a exatidão, a profundidade do olhar. Ontem, sem saco algum, saí de casa. A chuva me deprime [assim como a própria vida]. “Vai chover de novo, deu na tv que o povo já se cansou de tanto o céu desabar...” (Marcelo Camelo, em Santa Chuva).

Liguei meu MP4 player e ouvi Santa Chuva. Primeiro, na interpretação gloriosa de Maria Rita. Em seguida, na voz sussurrada inconfundível de Marcelo Camelo [a propósito, agora estou realmente parecido com ele, como sempre dizem aonde vou com meu cabelo grande e barba por fazer. No dia 25, foi a vez do meu primo, Samuel].

Não demorou muito tempo e me rendi à voz doce, melodiosa e incrivelmente agradável da absurdamente fantástica Brooke Fraser. [desnecessário é dizer que não pretendo ser imparcial, não é?] Certo estava o meu amigo Andy quando disse que ela é viciante. Depois que começamos a ouvir, não dá mais pra parar. Ouvi, durante o restante do trajeto até o Pátio Savassi, a canção C.S.Lewis Song – em suas duas versões: studio e live.

Rodeios. Como disse, saí sem saco. Queria observar. Atividade que me ajuda a vencer as dores que se acumulam em mim. As duas semanas anteriores foram eficazes em me oferecer a dor. Dores de amigos que, por tradição já cultivada durante anos, se tornam minhas no momento em que as conheço. Aprendi a não ser indiferente à dor do meu próximo.

Como diz a letra de C.S.Lewis Song, “If I find in myself desires nothing in this world can satisfy, I can only conclude that I, I was not made for here”. Acumulam-se em mim sonhos que não acredito mais possíveis. O sentido que, enfim, enxerguei na vida é tão grandioso e me assusto ao perceber que o risco de que ninguém mais perceba é igualmente imenso. Mas eu não posso parar, “because my comfort would prefer for me to be numb and avoid the impending birth of who I was born to become”.

Ainda no ônibus, relembro. 1) A notícia de um “fim” dada pelo MSN. 2) O olhar de dor de um amigo sofrendo a perda. 3) A notícia – ao vivo – de outro “fim”. 4) No ônibus, abraço e um silêncio reverente. Lágrimas. 4) No ônibus, o relato de um sentimento que machuca. Lágrimas. 5) Lágrimas. 6) Lágrimas. 7) Lágrimas. 8) Lágrimas. 9) Lágrimas. 10) Minha própria dor.

Esqueço e começo a observar uma mulher que entra no ônibus. Eu gosto de andar de ônibus. Com idade para ser minha mãe, a beleza chega a ser contraditória. Não pela idade, mas pela naturalidade. Não há marcas de intervenções forçadas. Sinto-me impelido a observá-la. Ultrapasso a medida. Extrapolo a profundidade do olhar. Não consigo parar. Entristece-me a falta de coragem de dizer a ela o quanto é bela. Rubem Alves diz bem que o elogio nem sempre é bem visto em nossa sociedade. E o medo da interpretação das minhas palavras teve, uma vez mais, poder para me calar. Talvez ela precisasse ouvir meu elogio... Talvez fosse fazer bem à alma dela. Talvez...

Chega a hora de descer do ônibus. Conhecer pessoas. Reencontrar uma pessoa. Assusta-me perceber que eu gosto de pessoas. Em seguida, novamente o silêncio. Estou só. Vou ao encontro de um amigo. Revejo outro. Conheço novas pessoas. Assusta-me perceber que eu gosto de pessoas [2].
Incrível como, mesmo dentro do ônibus, a chuva lá fora consegue me molhar... Mesmo fora, sou sempre atingido. Assim é a minha vida!

Não tenho melhor forma para encerrar este texto que apenas me calar.

“For we, we are not long here. Our time is but a breath; so we better breathe it. And I, I was made to live. I was made to love. I was made to know you. Hope is coming for me.”

Hugo Rocha

4 comentários:

Caio disse...

Assusta-me perceber que eu gosto de pessoas [3]

Ruivaaaa... disse...

"Vai chover de novo...deu na tv!" Então q venha a chuva!

Hugo é inevitável te conhecer e não te amar!Ou melhor é inevitável não conhecer o amor depois qte conheci...

Assusta-me perceber que gosto de pessoas[4](elas me fascinam, mesmo com seus defeitos)

Anônimo disse...

Amore mio!
Mais um belo escrito sobre a vida cotidiana e suas inverossímeis metáforas.
Só podia ser obra de um verdadeiro apreciador das coisas mais simples da vida como a observação.

Lindo!

Will disse...

Caracas quanta lição. Acabo de orar e pedir a Deus que chova, assim fica melhor!

Parabéns!