quinta-feira, 30 de julho de 2009

[Contradição™ 2006-2009] Por toda a vida

Ele estava sentado no banco da praça. Seu lugar favorito. Olhava para frente concentrado em algo que o resto do mundo não percebia. Ele sorria, e tinha na mão ainda o papel da bala que ganhara do avô mais cedo. Ele o preservaria para guardar dentro da caixa de sapato marrom, como costumava fazer com tudo aquilo que lhe davam. Alguns metros distante dele, sua mãe conversava com uma amiga.

Sua mão desenhava no ar o caminho do beija-flor que rodava um arbusto próximo, até que o viu partir pelos olhos marejados de lágrimas. Sua mão caiu sobre o colo, e seu olhar tristonho procurou a mãe que já vinha em sua direção com os braços abertos. Desceu apressado do banco e se jogou confiante no colo da mãe, que o amparou com todo cuidado, e o aninhou nos braços quentes e protetores. Ficaram assim durante algum tempo, até que ela o colocou no chão calmamente e os dois foram caminhando de mãos dadas pela beira do lago.

Não diziam palavras, pois elas não eram necessárias. Sentia que podia ficar assim para sempre. Ele sabia que enquanto a mãe estivesse ali, nada poderia lhe acontecer. Segurava forte a mão calejada do trabalho doméstico, a mão que tinha o conhecido cheiro do sabão em barra com o qual ela lavara as roupas mais cedo.

O sol começava a sumir por trás das árvores altas quando sentiu sono. Estendeu os braços pro alto, e prontamente foi erguido e com a cabeça encostada no ombro da mãe, adormeceu enquanto ela caminhava de volta para casa. Podia sentir o cheiro doce de alfazema que saia dos cabelos dela.
Guardaria essa recordação por toda vida.

Quando se deu conta, estava deitado em sua cama, onde sua mãe, sentada na beira dela, velava seu sono. Tinha os olhos de um verde acastanhado que pareciam brilhar mais do que as estrelas. Mas seus próprios olhos estavam pesados, e mal conseguia mantê-los abertos. Ela baixou a cabeça até bem perto do seu ouvido e lhe sussurrou a canção de ninar que ele tanto amava. Calmamente deixou-se levar pelo ritmo contínuo da canção e pouco a pouco foi deixando o mundo real para encontrar o mundo dos sonhos.

Pôde sentir ainda o leve roçar dos lábios dela em sua testa e a coberta que era chegada até seu queixo... E então... Dormiu!
Guardaria essa recordação por toda vida.

20 anos depois...

O vento frio vinha sem dó. Levantou discretamente a gola do casaco, enquanto olhava a inscrição no túmulo, já um pouco apagada:

“E foi no silêncio das palavras que resolveu guardar todo seu amor no olhar de estrela”

Já fazia três anos desde sua morte.

Já se preparava para ir embora quando de repente viu um beija-flor que sobrevoava as flores recém colocadas no jarro de vidro. Acompanhou seu voo apressado até ele sumir de vista. Com um leve sorriso nos lábios pôs-se a caminhar olhando o pôr-do-sol, lembrando de um parque e assobiando uma velha canção de ninar que um dia ensinaria aos seus filhos.

Andy

Encerrando o mês de textos convidados, André. Ou apenas Andy. Meu irmão que nasceu de pai e mãe diferentes. Dispensa mais comentários! As palavras se perdem na hora de falar dele. Escreve no kEbranDo a rOtiNa.

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